domingo, 14 de março de 2010

O que dizem de nós - 2

PÚBLICO: Edição Impressa
13 de Março de 2010


Romeu e Julieta da Margem Sul

O racismo, ponto de partida para uma peça mordaz sobre a luta de classes, é o tema do musical em cena na Barraca, com canções de Jorge Palma.
A Balada da Margem Sul

De Hélder Costa, Jorge Palma. Encenação de Helder Costa. Com Sérgio Moras, Ciomara Morais, Adérito Lopes,entre outros .

A descrença nos valores universais transformou os homens numa amálgama inconstante, sem objectivos, com uma ideia pouco definida do futuro. Um sentimento de rancor e vingança une as pessoas. A aniquilação do "outro", o inimigo, é a única solução para uma vida sem problemas. O racismo, a mais evidente forma de olhar o outro, serve apenas para disfarçar a luta de classes.
É este o ponto de partida de "A Balada da Margem Sul". Hélder Costa, encenador e autor do texto em cena no Teatro Cinearte, da Barraca, escreveu uma história sobre problemas reais. "Tinha esta ideia há muitos anos, é preciso falar do racismo e dos conflitos modernos".
"A Balada" passa-se num bairro da margem sul do Tejo, onde as tensões são constantes. O desemprego é a principal causa dos conflitos.As comunidades rivais têm o único intuito de se eliminarem umas às outras. Os grupos mais activos são os skinheads e os negros marginais. Os princípios são diferentes, mas o ódio às outras comunidades é igual. Estas duas minorias "estão juntas no inimigo", diz o encenador. "A Balada" quer ser um retrato do mundo de hoje: "Os Talibãs e o Bush são iguais: ambos querem matar o outro, e por isso é que Obama está com tantos problemas. Isso torna a peça actual".
Na peça, os princípios de cada minoria são abalados com o romance que nasce entre Pedro, um skinhead (Sérgio Moras), e Leonor, uma negra (Ciomara Morais). Esta pode ser uma versão moderna do clássico de Shakespeare "Romeu e Julieta", e dos grandes temas da humanidade que o teatro sempre soube sintetizar: amores contrariados, conflitos entre raças, sonhos, fatalismos.
"A Balada da Margem Sul" destina-se por isso aos mais novos. "Os jovens são a faixa etária mais vulnerável, mais susceptível de se deixar corromper por ódios e divergências", aponta o encenador. Por isso também o elenco é constituído por jovens actores. "Já não tenho a ambição de salvar o mundo", confessa Hélder Costa, mas "é um enorme prazer quando os jovens que vêm ver a peça debatem estes temas. Falam da sua vida, até dizem que querem criar grupos de teatro nos seus bairros". É essa a função da peça: "Deixar as pessoas alerta".
O cenário é minimal, mas um intrincado jogo de luzes e som identifica o ambiente onde a peça tem lugar. "Gosto do espaço vazio. O actor é a chave do teatro, ele é que passa a mensagem, por isso acaba por se perder no meio dos cenários quando eles são muito complicados", justifica Hélder Costa. A música, por sua vez, é parte fundamental do espectáculo é a música. As canções, da autoria de Jorge Palma, são cantadas pelos actores e as letras transmitem a moral da peça. "Já há muito tempo que o Palma queria trabalhar com A Barraca. E esta era uma peça mesmo boa para ele. Pedi-lhe para escrever sobre isto, isto e isto. E ele fez este trabalho maravilhoso. Está tudo muito claro nas canções".

Para Hélder Costa, "a Europa está numa situação desgraçada, e o respeito por si próprio é fundamental". Por isso é que "A Balada da Margem Sul" faz "sentido agora: porque o teatro é a grande arma. É indiscutível, não há outra".

Clara Campanilha

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